Para quem nasceu nos últimos 20 ano, fica até difícil imaginar que, no final da década de 1980, ainda era possível entrar em um trem aqui na Central e, por conexões, sem sair dos trilhos, desembarcar em Corumbá, fronteira com a Bolívia.
Pois durante pouco tempo mais de dois meses, primeiro semestre de 1988, tive o privilégio de viajar por algumas das principais e derradeiras linhas de trens de ageiros de longa distância no Brasil.
Lembrei-me dessa experiência ao ler, aqui no GLOBO, sábado ado, uma reportagem em que os trechos que percorri são mencionados, a maior parte deles hoje subutilizada ou abandonada, enquanto as estradas estão em petição de miséria: levantamento publicado quinta-feira mostra que 69% das rodovias são no máximo regulares. Já naquela época – e esse foi o mote da minha pauta, então -, sabia-se que serviços de trem de ageiros estavam com os dias contados.
Economicamente atraente para o transporte de carga a partir de uma determinada distância, a ferrovia decadente amargava prejuízos levando gente.
De pouco adiantavam os exemplos vindos do Primeiro Mundo, onde esse tipo de serviço, considerado estratégico e prioritário, recebia (e ainda recebe) incentivos e inventos públicos.
Aqui, a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que detinha e operava quase toda a malha, ara a ter como único foco o transporte de carga – quem sabe na tentativa de valorizá-la para a privatização que chegara alguns anos depois.
Por isso, no rosto de muitos de seus funcionários com quem tive contato, em viagens e entrevistas, já se notava um melancólico ar de despedida. Chefes de estação, de trem, auxiliares, maquinistas e mesmo engenheiros e assessores de comunicação falavam das ferrovias com um antecipado tom de saudade.
A viagem entre o Rio Corumbá pelos trilhos, claro, não era feita “de ponta a ponta” pela maioria dos ageiros que utilizavam o trem nessas regiões. No trecho Rio-São Paulo, àquela altura percorrido apenas uma vez por dia, ou melhor, por noite, pelo Santa Cruz ou Trem de Prata, seguiam executivos, casais (havia cabines muito confortáveis) e gente que não gostava de andar de ônibus.
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