“Saio sem rusgas com a presidente Dilma”, diz Figueiredo

Chamado pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2012 para montar a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a finalidade de dar mais impulso aos investimentos em infraestrutura, Bernardo Figueiredo está prestes a sair após pouco mais de um ano no cargo. O anúncio de sua saída foi envolto em rumores de divergências com o núcleo do governo.


Nesta entrevista exclusiva à reportagem de EXAME, Figueiredo diz que está saindo porque acredita ter cumprido sua tarefa: “Entrei para cumprir uma missão, que é estruturar uma empresa que vai planejar a logística do Brasil das próximas décadas. Ela está estruturada e posso voltar para casa”.


Ele negou que o motivo da saída sejam rusgas com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ou com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, com quem teria tido desavenças. Também negou que tenha sido o fato de o governo não ter feito o leilão do Trem de Alta Velocidade, controverso projeto de ligação ferroviária de Campinas ao Rio de Janeiro. E disse que a EPL mapeou novos investimentos a serem feitos pelo governo que somariam 350 bilhões de reais.


Figueiredo fica na empresa até dezembro, quando será substituído por Paulo Sergio os, ex-ministro dos Transportes. A seguir, trechos da entrevista.


EXAME – Por que o senhor está deixando a EPL?


Bernardo Figueiredo – Eu entrei para cumprir uma missão, que era estruturar a EPL. Ela está estruturada, com equipe montada e 48 projetos. Com a consultoria do Vicente Falconi desde o início, desenhamos uma estatal nos moldes de empresa privada moderna, com gestão focada em resultado e processos. Isso é uma revolução cultural no setor público. A principal dificuldade é fazer a mudança de cultura no setor público, voltá-lo para projetos, metas e resultados. A empresa está pronta para rodar. Acho que cumpri a missão combinada com a presidente Dilma. Então é hora de voltar para casa.


EXAME – Quando a decisão de sua saída foi tomada?


Figueiredo – Eu vinha conversando com a presidente Dilma desde agosto sobre isso. A decisão foi tomada no final de setembro. Não houve sequelas no nosso relacionamento. Pelo contrário. Tenho o maior respeito pela Dilma. Sou muito grato pela oportunidade que ela me deu e vou continuar trabalhando em projetos que ela quiser. Me coloquei à disposição dela.


EXAME – Que contribuição o senhor acha que a EPL já deu ao país?


Figueiredo – Todo mundo fala dos gargalos de infraestrutura. Mas sempre falam dos gargalos olhando para eles. Nunca houve um olhar sistêmico dos gargalos. Qual o mais importante? Qual precisamos atacar primeiro? Fizemos um trabalho de organização das ações mais imediatas e preparamos a base para fazer isso de modo permanente. Fazer do planejamento um processo. Os planos serão atualizados anualmente, de forma que a gente possa ter a real percepção dos problemas. A ideia é ir além de apontar os gargalos que existem: a empresa está se preparando para apontar os gargalos antes que eles surjam. Aí poderemos atuar preventivamente. Estamos preparando a empresa para diagnosticar com antecedência problemas que o país vai ter pelos próximos 20 anos.


EXAME – O que foi feito para isso?


Figueiredo – Contratamos uma pesquisa de origem e destino de cargas e ageiros que vai começar agora em novembro. Vamos mapear o Brasil inteiro. Será a primeira pesquisa a medir o mercado de transportes que ninguém conhece, a identificar a origem e destino em aeroportos e estradas. Teremos a movimentação completa. Com isso vamos identificar os problemas e, em um ano, poderemos desenhar um projeto para um plano de desenvolvimento logístico.


EXAME – Como a pesquisa será feita?


Figueiredo – Vamos pegar 200 pontos do país e fazer medições quatro vezes em um ano para pegar a sazonalidade das movimentações. Vamos analisar a condição das estradas e aeroportos e a movimentação de cargas e ageiros. Lançamos os dados num software de simulação, que vai analisar onde vai estourar a demanda. Vamos identificar os futuros gargalos. E vamos saber quais os melhores investimentos a serem feitos. Tudo com base técnica. Agora, se as obras vão ser feitas ou não, aí não cabe à EPL dizer.


EXAME – E no curto prazo?


Figueiredo – Nós identificamos, com base em estudos feitos anteriormente, quais investimentos devem ser feitos em 2014, 2015 e 2016. A ideia é começar a preparar agora os estudos e licenças para obras que serão contratadas em 2015, para não haver problemas de atrasos. E, depois, começar a pensar no longo prazo, 2020, 2025. A ideia é que o governo deixe de ser reativo. Precisamos identificar o problemas e agir antes que eles se tornem realidade. Sofremos hoje porque não investimos nos últimos 30 anos.


EXAME – Que investimentos serão feitos?


Figueiredo – Investimentos de 350 bilhões de reais em todos os modais, que não estão no PAC nem no Plano de Investimentos em Logística (PIL). Analisamos mais de 4 000 propostas de projetos feitas por entidades como a Confederação Nacional da Indústria e identificamos o que precisa mesmo ser feito.


EXAME – Pode dar exemplos?


Figueiredo – Em matéria de ferrovia, é preciso fazer a ligação entre Porto Velho e Santarém. Santarém e o Tapajós (hidrovia) vão explodir como alternativa pois é mais lógico escoar a exportação do Centro-Oeste pelo Norte do que pelo Sudeste. A rodovia BR-163 vai ter a capacidade comprometida e o mais racional é fazer uma ferrovia. Também precisamos conectar a ferrovia Transnordestina com a Norte-Sul e estender a Norte-Sul até a região Sul, fazer a ligação do oeste de Santa Catarina com os portos catarinenses. Ha vários projetos apontados como prioridade que confirmamos agora para dar harmonia aos principais eixos. No caso das rodovias, estamos duplicando 7 500 quilômetros, mas nossa malha tem 60 000. Deveria ter 10 000 duplicados. Apontamos pontos críticos, como, por exemplo, contornos de cidade. Às vezes, mais importante que duplicar é fazer a travessia correta do centro urbano. Isso gera impacto nos portos. Aí, é necessário pensar em aumentar a capacidade portuária. Esses são novos investimentos não programados, mas identificados como necessários.


EXAME – O senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff está realmente comprometida em melhorar a infraestrutura do Brasil?


Figueiredo – Antes de o presidente Lula lançar o PAC, o Ministério dos Transportes investia 2 bilhões de reais por ano em infraestrutura. Com o PAC, subiu para 15 bilhões de reais. Com o PIL (Programa de Investimentos em Logística, lançado por Dilma em 2012), os investimentos devem chegar a 50 bilhões.


EXAME – Há a impressão de que as obras não saem.


Figueiredo – A ferrovia Norte Sul foi lançada pelo Sarney na década de 80. Até 2006, ninguém falava que estava atrasada. Por quê? Porque não tinha cronograma. Havia programas genéricos, sem orçamento, sem prazo. Muitas das ações do PAC estavam previstas em programas de governos anteriores, mas não havia dinheiro, ninguém achava que as obras seriam executadas. Agora, há uma obrigação, uma cobrança por resultados. As obras têm cronograma. Quando executamos obras, deparamos com problemas. E, porque há cobrança, os problemas ficam evidenciados. E a presidente Dilma se preocupa, e muito, em resolver os problemas do país. Pode até ter dificuldades em mobilizar a máquina pública para cumprir os prazos. O governo saiu da inércia que houve por muitos anos.


EXAME – Mas muitos criticam o governo por não oferecer boas condições para os investimentos.


Figueiredo – Não concordo com as críticas. O governo Lula herdou contratos no setor de ferrovias que eram uma tragédia. Não garantia investimentos nem bom atendimento ao mercado. Porque os governos anteriores entregaram as ferrovias à iniciativa privada sem contrapartidas. Usar

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