Governo incluirá em editais de leilões de infraestrutura regras contra cartéis

Orientado pelo Conselho istrativo de Defesa Econômica
(Cade), o governo interino vai incluir nos próximos editais de concessões de
infraestrutura regras para inibir conluios, fraudes e cartéis entre as empresas
participantes dos leilões. Os novos modelos vão incorporar normas do Regime
Diferenciado de Contratação (RDC), como, por exemplo, a proibição da divulgação
de lances mínimos, para que cada concorrente faça a sua proposta sem referência
prévia. Os consórcios terão de uma declaração para atestar que seu
lance é genuíno e que foi elaborado sem compartilhamento de informação
comercial com concorrentes. As medidas visam a evitar preços inflados nos
leilões, que venham a prejudicar consumidores ou a arrecadação federal, quando
a disputa for por pagamento de outorga.

Uma das novidades será a realização de leilões simultâneos
na concessão de projetos complementares, como rodovias e portos, para evitar
que as empresas acertem a divisão dos ativos entre elas. A ideia valerá para
licitações em lotes, de forma a dificultar a divisão de mercado comum em
leilões sequenciais, realizados em momentos diferentes.

Conforme o documento “Medidas para estimular o ambiente
concorrencial dos processos licitatórios: contribuições do Cade”, obtido pelo
GLOBO, a previsão é que a divulgação dos projetos incluídos nas próximas
rodadas de licitação tenha mais restrições, para evitar que dados sejam
utilizados por empresas em acordos ilícitos. Recomenda-se, por exemplo, o
sigilo em relação aos participantes e aos lances apresentados.

NORMAS BASEADAS EM EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

As propostas do Cade abrangem todo o processo: desde o
desenho do edital, que não teria exigências desnecessárias que possam reduzir o
número de competidores, até o leilão em si, que seria feito preferencialmente
por meio eletrônico.

O Cade propõe que o governo tome cuidados para evitar que os
candidatos se encontrem durante o processo de disputa, como em audiências
públicas presenciais, que são frequentes no setor de transportes. As consultas
eletrônicas não devem mais trazer quem são os autores de cada pergunta. Todos
os esclarecimentos referentes ao edital deverão ser realizados por meio
eletrônico, de forma anônima.

A subcontratação — quando a vencedora contrata outras
empresas para efetuar serviços — não será proibida, mas serão fixados critérios
para controle e cadastro de subcontratadas, com registro obrigatório. O
objetivo é permitir o mapeamento do rol de empresas subcontratadas pelos
vencedores do leilão e acender a luz vermelha dos órgãos de investigação,
quando houver reincidências.

As propostas foram enviadas ao secretário executivo do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, e têm como base a
experiência internacional de países como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia
e Índia, além de recomendações da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE).

— As medidas encaminhadas pelo Cade serão incorporadas,
porque precisamos criar um ambiente concorrencial. Temos que adotar
experiências de organismos especializados em regular a vida econômica e ações
exitosas de outros países para tornar o ambiente mais saudável, que é o que
interessa a todo cidadão — disse Moreira Franco, acrescentando que aspectos da
competição não foram levados em conta nas concessões anteriores.

Em junho, como consequência da Operação Lava-Jato, o
Tribunal de Contas da União deu início a um processo de auditoria de Belo
Monte, no qual verifica se houve conluio no leilão da usina, em abril de 2010.
Uma das evidências apontadas pela área técnica do tribunal era que havia
subsidiárias da Eletrobras em ambos os consórcios que apresentaram propostas.
No único leilão do pré-sal, não houve concorrência, porque só um grupo, do qual
fazia parte a Petrobras, concorreu.

O presidente interino do Cade, Márcio de Oliveira Júnior,
disse que o objetivo do novo arcabouço jurídico proposto é “quebrar” o modus
operandi dos cartéis, que costumam trocar informações sensíveis para a
concorrência. A partir do momento em que os acordos não podem ser cumpridos, o
cartel fica prejudicado porque não terá mais segurança, disse Oliveira.

O Cade participa das investigações que têm como alvo
empresas citadas na Lava-Jato e assinou acordos de leniência e termos de
compromisso com as investigadas. Oliveira destacou a iniciativa inédita no
Brasil, citando que o país, pela primeira vez, acata orientações da OCDE.

— A recomendação da OCDE aos países membros está sendo
acatada pelo Brasil, e o objetivo é reduzir a probabilidade de ocorrência de
cartel — disse o presidente do Cade.

O órgão será um colaborador permanente da secretaria do PPI,
com a missão de se antecipar e evitar acordos ilegais entre as empresas nas
licitações. Até então, a atuação do Cade se dava após o fechamento do negócio.
Para o ex-presidente do órgão Ruy Coutinho, agir preventivamente em editais é a
forma mais eficiente de coibir práticas anticompetitivas em leilões:

— O momento do edital é o mais efetivo para esse tipo de
ação. Depois que está feita a confusão, vai para a Justiça, recorrem, mas o
resultado continua.

Coutinho lembrou que uma distorção nos leilões pode implicar
pagamentos extras pelos consumidores de determinado serviço por todos os anos
da concessão. No caso em apuração de Belo Monte, se a tarifa foi inflada por
cartel, os consumidores pagarão esse preço extra nas contas de luz por 25 anos.

— O que tem de acabar é o efeito potencial de se falsear a
concorrência em leilões desse tipo, levando a dominar mercado, elevar preços,
lucros, exercer de forma abusiva a predominância. Somos nós que pagamos as
imprecisões, como consumidores ou contribuintes — disse Coutinho.

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