Para maior concorrência nas ferrovias brasileiras

Em vários sentidos, o setor
ferroviário não é muito diferente de outros da área de infraestrutura, bem
representados pela figura de uma rede interligando nós que concentram a
atividade econômica. Assim se dá com o transporte de pessoas, cargas, energia,
informação, gás e água, por exemplo. Por que, então, fomentar a concorrência
nas ferrovias é algo que desafia tanto qualquer governo? A raiz da resposta
parece partir do questionamento a essa suposta uniformidade entre setores, e ao
tipo de abordagem regulatória que isso tipicamente atrai.

A partir do final dos anos 1970, e com
mais intensidade nas duas décadas seguintes, ganhou corpo a insatisfação com o
desempenho das empresas ferroviárias em diversos países, refletido em perdas
significativas que precisavam ser cobertas pelos contribuintes. A interpretação
de então foi de que a ineficiência dessas empresas, com quadros de pessoal
inchados e pouca preocupação com conquistar e satisfazer clientes, resultava de
ser um monopólio, em geral, estatal. Assim, para reverter esse quadro seria
importante introduzir competição no setor.

Paralelamente, em outros setores de
infraestrutura em rede, a regulação também se movia para estimular a
competição. Isso era feito aproveitando a privatização para separar
verticalmente as empresas e liberar a competição nos segmentos que não tinham
características de monopólio natural. Era o caso de rodovias e aeroportos, em
que as empresas responsáveis por operar a infraestrutura são independentes dos
transportadores que usam essa infraestrutura. Nestes segmentos a competição é
intensa.

Os mecanismos tradicionais de
regulação que dão conta dessa abordagem nas chamadas indústrias de rede apostam
na concorrência entre agentes do próprio setor como ferramenta de melhoria da
qualidade dos serviços e redução dos preços cobrados. Acontece que esse cenário
não se afina com o setor de ferrovias, no qual a competição intermodal, e não a
intramodal, é aquela que desempenha o papel mais importante na modulação dos
preços e demandas do mercado.

Nas ferrovias, segundo a experiência
internacional revela, a separação vertical de elos da cadeia econômica, impondo
a perda de soluções hierárquicas que se dão no plano interno de empresas
verticalizadas, gera problemas de coordenação que largamente superam os
supostos ganhos de eficiência alcançados com a competição introduzida. Isso
abre espaço para incompatibilidade técnica entre malhas e sistemas, incremento
de custos de transação, litígios, micro gerenciamento, esgotamento da malha nos
trechos mais rentáveis (cherry picking) e falta de manutenção da infraestrutura
de trilhos.

Daí porque replicar a mesma lógica
regulatória nas ferrovias não produz os mesmos resultados alcançados nos
setores comparados.

À regulação das ferrovias não cumpre
ser fardo, mas balança e bússola

Regular ferrovias com grande enfoque
na competição intramodal, excepcionando a lógica privada da gestão
concessionária e sobrecarregando seus agentes com medidas de micro regulação,
como as que tem se intensificado nos últimos anos, no caso brasileiro,
voltando-se a tabelar detalhes da operação ferroviária, acaba por produzir o
efeito oposto ao desejado. A medida não só é incapaz de intensificar a
concorrência e, com ela, produzir eficiência econômica, como onera o sistema
regulado, restringe a liberdade empresarial, implica maiores tarifas aos
usuários, ocasiona menor qualidade dos serviços e, acima de tudo, desequilibra
a concorrência intermodal, prejudicando a competitividade das ferrovias frente
aos demais modais logísticos.

Nesse sentido, se a intenção é ampliar
a eficiência e a participação do setor ferroviário na logística de cargas
nacional, por meio da concorrência, o caminho a fazê-lo está em regular as
ferrovias de modo que possam competir em condições vantajosas com os demais
modais. Isso pode recomendar, caso a caso, não regular, desregular ou mesmo
realizar uma criteriosa revisão do estoque regulatório, substituindo o que há
por arranjos alternativos que favoreçam o atingimento dos objetivos
perseguidos, ao mesmo o que facilitem a aferição desses resultados pela
agência reguladora. A não imposição de cargas regulatórias que não cumprem as
promessas sobre as quais se justificam é, seguramente, a estratégia melhor
habilitada a aprimorar o desenvolvimento do setor e seu ambiente negocial,
liberando recursos para investimentos produtivos.

Não custa lembrar que a própria lógica
sobre a qual se assenta qualquer concessão de serviço público, como é o caso
daquelas em curso no setor ferroviário, firma-se a partir da atração do
parceiro privado para que ele, com liberdade de meios, imprima sua gestão ao
acervo de utilidades públicas que será empregado na prestação do serviço
público. Além disso, devido à natural assimetria informacional entre regulado e
agência reguladora, é de melhor domínio dos agentes regulados cuidar de
detalhes e contornos operacionais, do que engessar tais medidas em moldes
regulatórios estreitos e inflexíveis.

Esse estado de coisas recomenda a
necessidade de revisão dos caminhos que a regulação das ferrovias vem seguindo
no país. Há muitas abordagens alternativas que permitiriam alcançar melhores
resultados, impondo menor custo ao sistema e atraindo menor risco de
responsabilização do regulador, como acaba por ocorrer sempre que a regulação
se dá de forma demasiadamente intrusiva na gestão do serviço.

À regulação das ferrovias não cumpre
ser fardo, mas balança e bússola.

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