No ano em
que a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) comemora 50 anos de
existência, a empresa vai reconhecer histórias de vida dos funcionários
marcantes para a trajetória da empresa. Cerca de 20 funcionários estão sendo
capacitados especificamente com a metodologia desenvolvida pelo Museu da
Pessoa, instituição que registra memórias de personagens anônimos ou
reconhecidos internamente.
Na formação,
durante dois meses, os profissionais do Metrô aprenderam técnicas de
entrevista, roteiro e edição de vídeo para fazer entrevistas com os colegas de
destaque.
As dez
primeiras entrevistas foram realizadas entre maio e junho. A primeira etapa
incluiu 25 vídeos, que serão publicados no site oficial da Companhia do
Metropolitano no segundo semestre deste ano.
Seleção
O Estado
selecionou três funcionários que gravarão depoimentos em vídeo: a primeira
operadora de trem mulher do Brasil, Maria Elisabete Torres; o agente de segurança
conhecido como “parteiro do Metrô”, Maurício Dias; e o garimpeiro que
há duas décadas trabalha de madrugada, caminhando quilômetros de via nos
trilhos da Linha 1-Azul – a pioneira do Metrô de São Paulo -, Gilmar Pereira da
Silva.
O GARIMPEIRO
DA MADRUGADA
Duas horas
de 22 de junho. Gilmar Pereira da Silva, de 61 anos, está sentado na ponta de
um caminhão que percorre os trilhos de trem das estações da Linha 1-Azul do
Metrô, a primeira de São Paulo. Ele ira o horizonte enegrecido e,
espontaneamente, declara-se: “Uma vida inteira aqui dentro e não me
arrependo. É muito legal. Uma cidade como São Paulo depende disso, do meu
trabalho. A gente sabe a importância que tem”.
Silva
realiza há 20 anos um trabalho que ninguém vê: ele é um dos 600 funcionários
que toda madrugada caminham 5 quilômetros nos trilhos desenergizados em busca
de falhas. De Metrô, são mais de três décadas. Também conhecido como
“garimpeiro”, o inspetor de via atua das 23 às 5 horas. Nesse
horário, enquanto a maioria dos ageiros do Metrô dorme, cerca de 1,1 mil
funcionários trabalham na identificação de falhas dos trilhos, na limpeza das
vias e no reparo de peças.
Com
lanternas, Silva e os colegas Luciano Cremonese, de 44 anos, e Sérgio Delazari,
de 55, a cada madrugada se dividem em trechos dos túneis entre as estações da
Linha 1-Azul. “Achei que não iria acostumar com o horário quando comecei,
mas acabei acostumando. Meus vizinhos que estranham. Me veem o dia inteiro em
casa, com um carro e uma moto na garagem, e devem ficar se perguntando: ‘Esse
homem não trabalha? Como sustenta essa casa?”
No garimpo
em busca dos objetos, o mais comum é encontrar sacolas plásticas e papéis
jogados pela janela por usuários. Na rotina de inspeção da via, toda
sexta-feira uma caçamba de caminhão sai cheia de lixo retirado dos trilhos ao
longo da semana. No meio do túnel, já encontrou até latinha de spray de
pimenta. “Às vezes também encontramos cachorros mortos. Alguns ficam
caminhando por dias entre as estações. Acabam ficando meio desnorteados e muitos
morrem eletrocutados ou atropelados.”
Além de
inspetores da via como Silva, funcionários da manutenção atuam na troca de
lâmpadas e lubrificação de parafusos, entre outras peças, dos túneis. Em meio
ao escuro e ao silêncio dos buracos, alguns garantem já ter visto a “loira
do túnel’ e o “cachorro fantasma”. Silva ri e diz que nunca viu.
“Mas que existe, existe.”
E o mais
difícil de trabalhar com inspeção da via? Não, não é o horário. “É ter de
vir todos os dias de Praia Grande, onde moro, para São Paulo. O trabalho em si
é muito bom.” No trabalho, somente uma situação parece chatear Silva:
quando há uma falha no Metrô. “Abala a nossa imagem, né?”
1ª MULHER A
DIRIGIR AS COMPOSIÇÕES
Naquelas
noites de novembro de 1986, a maquinista Maria Elisabete Torres pisava em casa
e deixava cair, enfim, o choro acumulado. Para a primeira operadora de trem
mulher do Brasil, era comum escutar dos próprios colegas de trabalho a clássica
frase: “Mulher tem de ficar no fogão”.
Por mais de
uma década (a operação comercial começou em 1974), o Metrô de São Paulo havia
sido conduzido somente por homens. “Eles eram todos contrários à ideia de
ter uma mulher na operação de trem.”
Maria
Elisabete saiu da bilheteria para o comando dos trens após ser aprovada em
concurso interno com outras duas colegas. Agora, soma 32 anos como operadora de
trem na Linha 3-Vermelha.
No fim da
década de 1980, a Linha Vermelha existia só entre as Estações Penha e Santa
Cecília. Os trens eram semiautomáticos, o que, em caso de falhas, obrigava
Maria Elisabete a sair da cabine e entrar embaixo do trem para mexer em
válvulas específicas.
Logo nas
primeiras viagens, sentiu o peso de ser mulher: quando o trem saía do túnel e
deslizava na plataforma, ela percebia que usuários homens, ao observá-la,
recusavam-se a entrar no trem. Hoje está entre as 201 mulheres que comandam
trens – 18% do total.
PARTEIRO
SALVA-VIDA DA LINHA 5-LILÁS
Agente de
segurança há nove anos na Linha 5-Lilás, sorriso tímido e semblante tranquilo,
ele é “o parteiro do Metrô”. Maurício Dias, de 42 anos, que não tem
formação na área da saúde, foi responsável pelo parto de dois bebês no interior
do metrô – em toda a história da empresa, foram 23.
Antes de
entrar no Metrô, era metalúrgico. Nunca imaginou que gostaria tanto de trocar o
trabalho exclusivo com máquinas para o diário com pessoas. “Quando ei
no concurso, achei que teria de lidar só com bandido. Mas hoje me sinto
orgulhoso por ser responsável pela vida das pessoas.”
Participa de
um grupo no Whats App e recebe fotografias dos bebês que ajudou a colocar no
mundo. O primeiro parto foi de Ana Luísa, hoje com quase 3 anos, na Estação
Largo Treze. Era por volta das 11 horas, quando Dias foi convocado por um
colega enquanto relaxava na área de descanso.
O segundo
parto aconteceu do lado de fora da Estação Capão Redondo. Eram 9 horas e Dias
descia para a área de descanso, quando um grupo entrou na estação pedindo ajuda
para uma mulher que daria à luz. “O povo saiu de dentro do carro e veio
chamar a gente como se aqui fosse um hospital”, relembra, sorrindo.
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