O avanço do coronavírus e o isolamento social começam a ter impacto no cronograma das concessões à iniciativa privada de projetos federais, estaduais e municipais. Além da suspensão de audiências públicas, com a justificativa de evitar aglomerações, incertezas sobre reflexos da pandemia na demanda já levaram ao cancelamento de leilões nas áreas de energia e de portos. Especialistas também apontam riscos de que a alta do dólar torne uma parte dos empreendimentos menos viável.
Uma das primeiras alterações foi a suspensão, pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), da concorrência que envolvia o terminal portuário de ageiros em Fortaleza. A licitação – englobando o terminal em si, estacionamento e aluguel de espaços para eventos – estava marcada para o dia 27 de março e não tem mais data para ocorrer.
O secretário nacional de Portos do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, explicou ao Valor que a decisão foi tomada com base nos efeitos pandemia sobre a atividade de cruzeiros. Sem uma perspectiva clara de quando o turismo marítimo vai ser normalizado, a avaliação foi de que fazer o leilão agora seria inapropriado.
Diante do tombo dos preços no mercado internacional, o Ministério de Minas e Energia determinou a suspensão da 17ª rodada de licitações de áreas para a exploração de petróleo e gás natural. O certame estava previsto para este ano. Dias antes, a pasta também havia postergado, por tempo indeterminado, uma série de leilões: dois de energia elétrica existente (A-4 e A-6), dois de energia nova (A-4 e A-6), um para atendimento do sistema isolado e outro de linhas de transmissão.
Só no leilão de “linhões” a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estimava contratar redes que totalizam 300 quilômetros de extensão e atrair investimentos pouco acima de R$ 2 bilhões, com obras em seis Estados – Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e São Paulo. A queda do consumo de energia, que chega a dois dígitos no sistema interligado depois das medidas de isolamento, deixou distribuidoras e geradoras sem nenhum parâmetro sobre o comportamento da demanda daqui para frente.
Piloni afirma que, no caso de arrendamentos portuários para terminais de cargas, a movimentação tem continuado forte, apesar da pandemia, e não há motivos para cogitar a hipótese de adiamentos. A perspectiva é ter até 15 leilões neste ano. Ainda neste mês deve ser aberta audiência pública para a licitação de dois terminais de granéis líquidos (combustíveis), o STS 8 e o STS 8A, no porto de Santos (SP).
De acordo com o secretário, a Antaq foi acionada e está desenvolvendo uma forma inovadora para essa audiência. Em vez de sessões presenciais, como costuma ocorrer, está em avaliação a possibilidade de conduzir todo o processo por videoconferência, permitindo recebimento de perguntas por aplicativos de mensagens. “Quem sabe até, em vez de diminuir, não possam ser ampliadas a participação e a interação com as partes interessadas.”
Muitas istrações locais, porém, têm adotado uma postura de suspender audiências públicas que estavam agendadas. O governo João Doria adiou, sem nova data, as reuniões para discutir o processo de concessão do Jardim Botânico e do Zoológico de São Paulo. A Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente atribuiu o adiamento às diretrizes de combate à pandemia.
No Rio Grande do Sul, a Prefeitura de Porto Alegre suspendeu o edital de concessão do trecho da Orla do Guaíba. O projeto, em contrato de 35 anos, previa uma nova infraestrutura de paisagismo e lazer no espaço – incluindo uma das maiores rodas-gigantes da América Latina. A concessionária ficaria encarregada ainda da limpeza, segurança, manutenção das edificações e cuidados com a flora e a fauna.
“Consideramos, para a tomada de decisão, os efeitos prejudiciais à economia causados pela pandemia do coronavírus”, disse o secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, em comunicado. “Os empresários enxergam menos incentivos para se comprometer com contrato de longo prazo. Faremos os ajustes necessários para lidar com essa nova realidade e confiamos em obter êxito na licitação ainda neste ano.”
O advogado Guilherme Naves, sócio da consultoria especializada em contratos de concessão Radar PPP, acredita que o momento requer uma análise acurada de todas as partes. “Os governos têm se preocupado cada vez mais em cumprir prazos, manter cronogramas vivos e fazer uma comunicação adequada com o mercado.”
“Mas não é preciso ter fetiche com o calendário. O mundo mudou, todos reconhecem a gravidade da crise e talvez seja a hora de guardar alguns contratos. Os governos não devem se apressar e perder a oportunidade de uma boa concorrência. Não se pode prejudicar a saúde de um contrato de 30 anos para evitar uma perda de oito meses no cronograma.”
De um lado, segundo Naves, governos podem ter dificuldades em calcular o impacto da pandemia na demanda pelos serviços e para organizar “road shows” com o objetivo de divulgar seus projetos a potenciais investidores. De outro, agora torna-se mais difícil para os investidores, por questões logísticas, mobilizar seus recursos humanos na análise dos projetos, como “due dilligences”.
O advogado aponta concessões – já feitas ou em estruturação – de arenas esportivas, centros de convenções, parques urbanos, estacionamentos rotativos como algumas das mais afetadas pelos efeitos da pandemia de coronavírus. Ele também cita projetos de iluminação pública das prefeituras como especialmente preocupantes. A maioria usa lâmpadas de LED importadas e foram calibradas com o dólar a R$ 4. “A forte variação cambial pode ter deixado alguns projetos insustentáveis.”
O Ministério da Infraestrutura tem dito que, apesar das medidas de distanciamento social tomadas recentemente, os técnicos envolvidos na preparação das concessões continuam dedicados à análise dos projetos por teletrabalho.
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