A ferrovia que o governo Lula sonha em construir com a China

Valor Econômico – O Brasil tenta fazer com que autoridades da China invistam em uma ferrovia que ligaria o oceano Atlântico ao Pacífico, num projeto que pode mudar o tempo e o custo do comércio entre as duas nações. A história parece sedutora — uma “revolução”, como afirmou a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet —, se foram desconsiderados alguns obstáculos, como a Cordilheira dos Andes e o financiamento da empreitada.

A ferrovia bioceânica sonhada pelas autoridades brasileiras teria 3 mil km de extensão e integraria trechos de projetos já existentes: a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), a Ferrovia Norte-Sul (FNS) e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). Em um exemplo hipotético, o trem partiria de Ilhéus, no litoral da Bahia, e seguiria para Mara Rosa, em Goiás. De lá, iria para Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso.

Daí em diante, não existe nada de concreto. O Ministério do Planejamento (e não da Infraestrutura ou dos Transportes, que também conduzem as tratativas junto com a Casa Civil) disse ao Valor que o trem hipotético nesta ferrovia sonhada subiria pelo estado de Rondônia até Rio Branco, capital do Acre, de onde seguiria para Assis Brasil, onde o estado faz fronteira com o Peru.

Nesta abstração, o trem seguiria a direção da chamada Estrada do Pacífico, no país vizinho, e a próxima parada seria o porto de Chancay, considerado o maior investimento chinês na América Latina, que custou US$ 3,5 bilhões e tem rotas para o porto de Xangai. Seu uso diminui em cerca de dez dias o período para o escoamento de mercadorias para a Ásia.

Hoje em dia, o o brasileiro ao complexo portuário se dá principalmente por hidrovias, fruto do projeto de integração sul-americana.

O trajeto da ferrovia bioceânica, segundo o Ministério do Planejamento, usa a terceira das Rotas de Integração Sul-Americana, programa criado em 2023 para fortalecer cinco caminhos logísticos para o comércio com países vizinhos ao Brasil. Ainda segundo a pasta, a iniciativa tem caráter multimodal: prevê a interligação da região a partir de rodoviárias, ferroviárias, hidroviárias, infovias, portos e aeroportos.

O problema Cordilheira dos Andes

A interligação dos dois oceanos ando pelo Centro-Oeste brasileiro enfrenta como um dos obstáculos a Cordilheira dos Andes, que faz parte do trajeto aventado.

O professor José Leomar Fernandes Júnior, do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da USP, ressalta que a viabilização de um empreendimento desse porte requer, além de um estudo técnico preliminar, investigações geológico-geotécnicas para obras de túneis, viadutos, cortes e aterros.

Ele usa como exemplo para ilustrar a complexidade do projeto as obras da Rodovia dos Imigrantes, que corta a Serra do Mar para conectar a região metropolitana de São Paulo à Baixada Santista. “Trata-se de uma obra muito mais curta, em uma região desenvolvida e conhecida desde a época do Império. Mesmo assim, veja quanto tempo levou para fazer a outra pista”, disse. A primeira pista, de subida, foi inaugurada em 1976, enquanto a segunda foi concluída em 2002.

Entre os desafios para uma possível ferrovia bioceânica, ele elenca a agem por áreas de diferentes relevos e composição de solo, altitude elevada e a necessidade de construção de túneis ou viadutos, obras de alta complexidade. “O túnel ferroviário mais extenso na Suíça tem 54 km, mas para fazer esses 54 km são mais de 100 km de perfurações, porque você tem que ter instalações complementares”, destaca.

O o a lugares de difícil o, tanto para os estudos prévios, como para a execução da obra em si, também soma às dificuldades. “Por isso que é algo que já estava sendo pensado e, 15 anos depois, a gente continua conversando sobre”, afirma.

O projeto da ferrovia bioceânica já esteve em discussão durante a presidência de Dilma Rousseff, a mesma governante que prometeu o trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, ando por Campinas, e que nunca foi construído.

Na época do governo Dilma, o trajeto da ferrovia bioceânica ava por áreas de preservação e territórios de povos originários no Brasil e no Peru. Agora, o trajeto, segundo o ministério do Planejamento, ainda está “sendo definido”.

Custo “dispendioso” de um valor não revelado

Segundo o governo federal, outro obstáculo para a ferrovia bioceânica é o custo do projeto, cujo valor estimado ainda não foi revelado publicamente pelo Ministério do Planejamento.

Em um comunicado, a pasta afirmou que “projetos ferroviários tendem a ser dispendiosos e demoram para ser concluídos, uma vez que envolvem diversas etapas, desde estudos de viabilidade técnica, ambiental e econômica até a execução das obras”. Ainda de acordo com esse comunicado, “a participação do capital privado – incluindo o internacional – é essencial para a concretização de uma iniciativa dessa magnitude”.

Neste mesmo comunicado, Simone Tebet afirmou que “não há investimento privado nacional suficiente” e que, “atualmente, quem possui os recursos necessários é a China, tanto no setor privado quanto no público.”

Ao Valor, o Ministério do Planejamento afirmou que o cenário é de abertura para capital internacional, seja público ou privado, e que “países europeus”, “Estados Unidos” ou “qualquer país” são bem-vindos se puderem “apoiar ferrovias no Brasil”. “No caso [planejamento da ferrovia bioceânica], a China tem uma predisposição maior, por isso a gente gasta mais tempo com a China, porque tem mais capital disponível e mais expertise acumulada nesse modal”.

Integrantes do Ministério do Planejamento e Orçamento que estiveram na comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à China disseram ao Valor que a expectativa era fechar a contratação de um estudo técnico para a ferrovia bioceânica. No entanto, segundo reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, os chineses indicaram que ainda não vão entrar no projeto por suspeitarem que exista algum entrave geopolítico na empreitada.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/05/13/a-ferrovia-que-o-governo-lula-sonha-em-construir-com-a-china.ghtml

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