Valor Econômico – O tarifaço anunciado pelos EUA ampliou incertezas no comércio global e reabriu janelas para exportadores como o Brasil. Com os chineses buscando alternativas para substituir parte do que compravam dos americanos, produtos brasileiros voltaram ao radar, assim como projetos de investimento produtivo e acordos bilaterais de médio prazo.
“Se o Brasil pode ganhar com isso? Pode, mas não é trivial. Pode, se você tiver alguma estrutura de exportação bem consolidada, uma diplomacia econômica eficiente, e um mercado que responda. Mas, ao mesmo tempo, você vai ter mais produto chinês circulando por aí. O Brasil não vai escapar disso”, diz Lívio Ribeiro, sócio da BRCG e especialista em economia chinesa.
A busca de um acordo sobre tarifas entre Estados Unidos e China, com negociações previstas para este fim de semana, “é o início de uma dança”, afirma Ribeiro. “Esse processo bilateral não será rápido, será cheio de idas e vindas, e não deveríamos esperar uma evolução tão rápida de um acordo bilateral entre China e Estados Unidos”, complementa.
Ele avalia que “para o Brasil [o acordo] tem o efeito do ambiente. O ambiente descomprime um pouco, mas ainda é muito volátil, sujeito a idas e vindas, frustrações e euforias, de coisas que não são muito sólidas.”
Para Ribeiro, o momento é de observação. É preciso monitorar a evolução do quadro global, a possibilidade de recessão no mundo e os impactos no cenário nacional.
Uma maior previsibilidade nas relações com a China e o aumento da produção respondem, na avaliação de Rafael Perez, economista da Suno Research, por parte do dinamismo atual das exportações brasileiras. “A Argentina vem crescendo, na verdade ela retomou a produção de soja e de milho, e a China vem comprando soja e milho também da Argentina. Os EUA são os concorrentes, mas na atual circunstância eles estão atrás das concorrentes.” Segundo ele, “o Brasil é um concorrente mais confiável. O Brasil tem uma relação muito mais pragmática e estável com a China.”
Essa percepção é compartilhada por Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de istração da JiveMauá. “Vários produtos do Brasil que tinham concorrência americana com relação à China não vão ter mais. Então talvez até uma certa majoração de preço. Talvez o Brasil seja o que menos perde”, diz Figueiredo. Ainda assim, ele faz uma ressalva sobre os riscos de longo prazo. “É uma situação muito incerta, mas que, sem dúvida, está indo numa direção muito ruim. Vai nos levar a um mundo que vai crescer menos, que vai ser menos produtivo, que vai ter mais inflação, que vai gerar menos melhora às pessoas”, afirma.
No primeiro trimestre deste ano, a corrente de comércio entre Brasil e China somou US$ 38,9 bilhões, segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e do Comércio, com exportações brasileiras de US$ 19,8 bilhões. Embora o saldo ainda seja positivo – US$ 745 milhões – houve queda de 13,4% nas exportações em relação ao mesmo período de 2024, enquanto as importações saltaram 35%, puxadas por embarcações e plataformas flutuantes.
O Brasil pode ser uma plataforma de vendas dos chineses para os EUA”
— Charles Tang
O salto nas importações também acendeu um alerta para o possível redirecionamento de produtos chineses para o Brasil. “Vão sobrar mais produtos chineses no mundo. Esses produtos vão para algum lugar e vão fazer o preço desses bens nos mercados que não os Estados Unidos caírem”, diz Ribeiro.
A falta de competitividade da indústria brasileira é o principal fator de risco para uma possível enxurrada de produtos chineses, segundo Leandro Gilio, do Insper Agro Global. “A indústria brasileira não é muito competitiva e um excesso de produtos tende a afetar o nosso mercado interno.”
Apesar da queda parcial nas exportações brasileiras para a China, a tendência de médio prazo ainda aponta para expansão. “Em um primeiro olhar, abre uma certa possibilidade da expansão do nosso mercado. Mas o encarecimento geral de insumos pode apertar a margem dos produtores e isso deve ter um impacto mais para as próximas safras do que para esta de agora.”
“O Brasil pode ser uma plataforma de vendas de empresas chinesas para os americanos. A China precisa diversificar suas bases de produção. Então, por que não produzir no Brasil?”, diz Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.
A convergência entre capital chinês e demanda brasileira por crédito começa a ganhar contornos mais concretos. O agronegócio continua como principal âncora da pauta de exportações do Brasil para a China – e registra crescimento mesmo em meio ao cenário volátil.
“A China tem excesso de poupança e está com dificuldade de achar investimentos com taxa de retorno para remunerar seu capital. O Brasil tem carência de poupança e precisa de infraestrutura, precisa de investimentos”, diz Ribeiro.
Nas últimas cinco décadas, o contraste entre as trajetórias econômicas de Brasil e China ficou cada vez mais evidente. Esse salto não foi apenas em renda. Ele veio acompanhado de uma guinada tecnológica. A virada de chave começou no início dos anos 2000, com reformas profundas no modelo chinês, uma política industrial agressiva e investimentos pesados em tecnologia e infraestrutura. O resultado foi uma mudança de posição no tabuleiro global. A China virou potência. O Brasil, não.
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