Correio do Estado – O antigo sonho de Mato Grosso do Sul de reativar a ferrovia Malha Oeste parece cada vez mais longe de se concretizar. Entre entraves regulatórios, ausência de consenso entre as partes envolvidas e, principalmente, a baixa viabilidade econômica de certos trechos, a renovação da concessão enfrenta obstáculos que tornam incerto o futuro da linha férrea que liga Corumbá a Mairinque (SP).
Conforme apurou o Correio do Estado, há um desinteresse concreto na reativação do trecho entre Campo Grande e Três Lagoas. O motivo é simples: a relação entre o investimento necessário para a recuperação da infraestrutura e o volume potencial de carga não justifica a operação. “Não fecha a conta”, afirmam técnicos envolvidos na discussão.
Embora se fale muito na reativação como um todo, especialistas do setor logístico apontam que os únicos traçados com potencial de retorno financeiro são os entre Morro do Urucum e Porto da Manga, voltado ao transporte de minério, e o novo ramal entre Três Lagoas e Aparecida do Taboado, que nem sequer pertence à estrutura original da Malha Oeste. Ambos, na verdade, envolveriam novas construções, e não a reativação de trechos antigos e deteriorados.
Além disso, as negociações estão paralisadas por falta de consenso entre a concessionária Rumo, a União, o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A complexidade do processo fez com que o Tribunal de Contas da União (TCU) entrasse em cena para determinar parâmetros que precisam ser seguidos antes de qualquer decisão sobre o futuro da concessão.
Em 12 de março, o TCU publicou um acórdão determinando que, ao analisar a solicitação de solução consensual protocolada pela ANTT, o governo leve em conta o histórico de inadimplência, abandono de trechos e descumprimento de metas de produtividade e segurança por parte da concessionária.
ADO
Conforme já publicado pelo Correio do Estado, a Rumo Malha Oeste tem um histórico repleto de irregularidades apontadas pela ANTT.
Desde 2020, há um processo de caducidade da concessão em curso, instaurado após a agência identificar descumprimentos legais e contratuais. O processo foi suspenso após o projeto ser qualificado pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para fins de relicitação.
Mesmo assim, os problemas se acumulam. Apenas em 2024, a concessionária foi multada em R$ 2,1 milhões pelo abandono de um trecho de 436 km entre Campo Grande e Três Lagoas. Uma inspeção da ANTT apontou que 94,5% dos dormentes estão deteriorados – e não há previsão de manutenção.
Em outro trecho, de 418,7 km entre Bauru (SP) e Três Lagoas, a situação é igualmente grave: desde o pedido de devolução feito pela concessionária, há um abandono generalizado. A equipe de manutenção foi reduzida em 58% e a aplicação de materiais caiu drasticamente. A taxa de dormentação inservível subiu para 59,38%.
Ainda, de acordo com o relatório técnico da ANTT, existem centenas de agens em nível sem sinalização, tanto em áreas urbanas quanto rurais. A concessionária, sem operar trens no trecho, deixou de zelar pela segurança nos cruzamentos e permitiu a invasão da faixa de domínio, com a abertura irregular de ruas e construções em áreas da ferrovia.
Outros problemas incluem o descumprimento das normas de inspeção dos trilhos e velocidades operacionais perigosamente baixas. Há trechos onde a velocidade permitida é de apenas 1 km/h – um claro indicativo de que a via está em condições críticas.
Em sua defesa, a Rumo afirma que suas obrigações foram reduzidas por termos aditivos ao contrato original e que tem feito “esforços para manter a prestação do serviço público”.
A empresa também argumenta que a relicitação surgiu justamente por não haver viabilidade de manutenção adequada da via com os recursos disponíveis.
SEM CONSENSO
Diante da degradação, a alternativa em discussão seria uma solução consensual para prorrogação da concessão por mais 30 anos, com uma nova configuração operacional.
O pedido, feito pela ANTT ao TCU, inclui a renegociação de litígios judiciais e istrativos, um “encontro de contas” entre investimentos e obrigações, e a redefinição dos investimentos previstos.
Porém, como destacou o acórdão do TCU, essa negociação precisa levar em conta o desempenho ado da concessionária e os impactos da má gestão sobre o interesse público e o mercado regulado.
Outro problema já levantado pelo Correio do Estado é a crise financeira da Cosan, acionista da Rumo. O grupo enfrenta desafios financeiros, como endividamento e pressão para reduzir dívidas. A holding que detém 30% da Rumo Logística está repactuando a concessão da Malha Oeste.
O titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, afirmou que a crise financeira da holding não deve afetar o acordo sobre a concessão.
“Dentro dessa repactuação, existe uma repactuação legal que está sendo discutida no TCU. A partir do momento em que isso for definido, a Rumo efetivamente terá que cumprir aquilo que foi repactuado”, explicou o Verruck.
O presidente do Conselho de istração da Cosan, Rubens Ometto, destacou em entrevista a veículos nacionais que a alta taxa de juros no Brasil – a qual está em 14,75% – obrigou a empresa a reduzir a sua alavancagem.
Nesta semana, a Raízen, t venture da Cosan e da Shell, se desfez de uma de suas usinas sucroalcooleiras como parte da estratégia de reduzir o seu endividamento. A usina Leme, localizada em Piracicaba (SP), foi vendida a R$ 425 milhões.
Seja o primeiro a comentar