Estadão – Em 2025, os investimentos em infraestrutura no Brasil deverão somar R$ 288,2 bilhões e bater um novo recorde, de acordo com a projeção da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). No ano ado, os números do setor já foram expressivos. Os investimentos somaram R$ 260,6 bilhões, o melhor resultado até então.
Os números da Abdib mostram que, apesar do juro alto, boa parte do investimento esperado virá do setor privado, que deverá chegar a R$ 222,3 bilhões.
“Tem de entender que vários projetos em andamento no momento não começaram agora. Tem projetos que estão no terceiro, quarto ano, e a captação de recursos e o funding já estão fechados. Eles continuam na execução”, afirma Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib.
Hoje, o cardápio da Abdib mostra que o País tem cerca de 500 projetos que podem migrar para o setor privado, o que, segundo Tadini, ilustra o melhor momento para o investimento em infraestrutura no País.
“O fato é que temos uma condição virtuosa de crescimento da infraestrutura, mas que, infelizmente, não está sendo complementada naquilo que precisa com investimento público necessário por causa das restrições de natureza fiscal”, afirma.
Nesta quinta, 5, a Abdib organiza o seu fórum em Brasília para discutir o futuro da infraestrutura no Brasil.
A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Por que que o investimento continua crescendo mesmo com juros tão altos?
Tem de entender que vários projetos em andamento no momento não começaram agora. Há projetos que estão no terceiro, quarto ano, e a captação de recursos e o funding já estão fechados. Eles continuam na execução. Essa é uma razão pela qual você tem um estoque de projetos em andamento, que, logicamente, vão se juntar aos projetos que foram recentemente solicitados e que terão captações também. Vale a pena chamar atenção de que, por serem (projetos) de longo prazo de maturação, o investidor não olha só a questão dos juros de curto prazo.
Qual tem sido o papel do poder público no cenário atual?
Tanto os ministérios quanto o BNDES estão fazendo o funding do projeto de maneira faseada. Se o investidor tem de captar R$ 1 bilhão para determinado projeto, o BNDES está ‘faseando’ essa captação. Os juros subiram, mas a tendência é que ele caia. E nós estamos falando de um projeto de 20 anos, 25 anos e alguns de 30 anos. Isso é outro fator, com outros instrumentos que têm sido utilizados pelo BNDES, o que dá uma tranquilidade maior, porque é diferente do que era feito no ado, quando você fechava a taxa de empréstimo para todo o período do financiamento. Agora, você pode fazer essa captação somente pelos desembolsos que estão ocorrendo nesse período.
Esse período de juro alto que o País enfrenta e deve viver nos próximos anos não terá um impacto tão grande nos investimentos, então?
Vai impactar no sentido de que poderia ter crescido mais. Ele afeta o capital de giro e a disponibilidade de participação em novos projetos. As empresas com mais condições de participar de novos projetos serão aquelas que têm um maior nível de capitalização. A gente não pode esquecer também que muitos dos investidores recentes são fundos de investimento, que já fizeram suas captações na Europa, na Ásia. Têm alguns fundos que vêm do Canadá. E outro fenômeno muito importante é a estrutura criada pelo Tesouro Nacional com o programa de diluição de risco cambial para captação externa ligada a projetos vinculados à economia verde. Isso é uma coisa importante. Tem mecanismo de hedge cambial, mecanismos de derivativos para proteção futura, não só do investidor, mas também lá de fora, de quem realiza o empréstimo.
Como mostra o mapeamento da Abdib, o Brasil tem quase 500 projetos de infraestrutura para serem leiloados. Tem investidor para todos esses projetos?
Nunca na história do nosso País (risos) tivemos um ciclo expansivo com as fontes de financiamento devidamente preparadas e ajustadas para fazer frente aos investimentos. Tem uma coisa importante que precede a isso ainda, que é a qualidade na estruturação de projetos. Melhorou muito. A curva de aprendizado foi enorme. Vejo gente escrever sobre os programas de investimentos, falando que estão repetindo o ado e tal. Quer dizer, ou não conhecia o ado ou não conhece o presente. No ado, houve erros na análise de viabilidade do projeto, na mitigação de risco entre o público e o privado, na estruturação de funding, na forma de fazer o tratamento do investimento. Mudou tudo.
E tem investidor para tudo isso? Sem dúvida, tem. E, dependendo do que vai se desenrolar no mercado internacional, vai ter mais recursos ainda. Os nossos projetos são bons, bem estruturados, têm complementação de funding e investidores fortes. Não existe falta de investidor. Não tem país do mundo que tem o número de investidores em rodovias que o Brasil tem.
Com base no cenário que o sr. traça, é o melhor momento para investimento em infraestrutura no país?
Exatamente. Estamos no melhor momento. A taxa de juros deveria ser menor, mas hoje você tem mecanismos de escape da política monetária. O Banco Central joga a taxa de juros − eu não vou dizer nas nuvens − a um degrau antes das nuvens. O fato é que temos uma condição virtuosa de crescimento da infraestrutura, mas que, infelizmente, não está sendo complementada naquilo que precisa com investimento público necessário por causa das restrições de natureza fiscal.
E quão prejudicial é essa questão da restrição fiscal? O próprio governo já indicou o colapso das contas públicas em 2027.
É uma questão de prioridade. Estamos vendo, por exemplo, o Legislativo com emendas que chegam a R$ 50 bilhões, e elas não estão ligadas a nenhuma estrutura de projetos de programas de médio e longo prazo que estão na prioridade do governo federal. Às vezes, você vê o mercado falar que precisa fazer um ajuste de R$ 10 bilhões, mas ele está esquecendo dos R$ 50 bilhões que não vão ter o impacto de natureza macroeconômica e de eficiência na economia.
Na avaliação do sr., tem algum setor de infraestrutura que deve se destacar?
O programa de rodovias está perfeito. Ele tem sido acompanhado, e os projetos vão ter demanda. E não é só no nível federal, mas também nos governos estaduais. Veja o caso de Mato Grosso do Sul. E a outra coisa fundamental é o segmento de mobilidade urbana. É a parte de metrô e trens urbanos. É muito dinheiro que precisa para isso. E aí são necessárias PPPs (Parcerias Público-Privadas), não somente concessões, porque a gente viu o modelo do sucesso da Linha 4, do metrô de São Paulo, e do Trem Intercidades, que foi licitado. Vai ter o túnel Santos-Guarujá. Isso só de São Paulo. É muito forte o volume de investimento. A gente ainda tem de realizar investimentos em Minas Gerais, tem de recuperar o Rio Grande do Sul. E todos os investimentos a serem feitos têm de estar numa nova dinâmica de resiliência e de processo construtivo por conta do novo paradigma nas variações climáticas.
Sobre a questão ambiental, o novo marco para licenciamento ambiental tem sido criticado. Qual é a avaliação do sr.?
Trabalhamos muito em dois pontos fundamentais. O primeiro deles é criar um banco de biodiversidade, um banco de informações sobre a área que vai ser objeto da execução, do investimento, para que isso seja disponível para todo investidor que venha a fazer algum investimento naquele local. Isso evita que se recomece do zero, seja para o ente público que está analisando, seja para o setor privado que vai executar algum projeto. Isso está no projeto. E outro item importantíssimo que está no projeto é dar diretrizes de orientação para ter uma articulação entre ente municipal, estadual e federal, para que não se reproduza em cada âmbito de ente federativo toda análise de avaliação do projeto.
Não é aquela história de aproveitar para ar a boiada. Não tem nada a ver com isso. Tem a ver com dar racionalidade. Esses dois instrumentos são importantíssimos para agilizar, não para fazer coisa a toque de caixa e fazer lambança. O critério técnico tem de ser utilizado e reforçar as estruturas que existem, articular os entes federativos e aproveitar os estudos que já estão feitos.
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