O trem que não chega

Parodiando Vinicius de Moraes, a vida é a arte dos encontros
e as cidades são os espaços desses encontros. Milhões de brasileiros vivem em
áreas urbanas em busca de oportunidades para trabalhar, estudar, fazer suas
compras ou viver suas horas de lazer. A questão é: como se locomover nos
espaços urbanos em busca desses encontros?

Em menos de 70 anos nossa população urbana decuplicou. Os desequilíbrios
sociais, o oportunismo dos especuladores imobiliários, a ausência de planos
urbanos ou o descumprimento das regras de ocupação do solo fizeram com que os
aglomerados urbanos ocuem extensas e esparsas áreas territoriais.
Consequência: as cidades e regiões metropolitanas do País requerem altos custos
de investimento e manutenção para ampliar ou manter suas infraestruturas.

O Brasil tem cerca de 40 cidades com mais de 500 mil
habitantes que dão origem a aglomerados urbanos ou regiões metropolitanas.
Metade da população brasileira vive nos espaços metropolitanos e é por óbvio
que neles se concentram a maior parcela da produção nacional. Tudo é
superlativo nas regiões metropolitanas, inclusive os problemas, a começar pela
mobilidade dos que nelas buscam as oportunidades existentes.

Apesar da crise econômica, os congestionamentos estão se
espraiando para além das fronteiras das regiões metropolitanas. Em São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, para ficarmos em alguns
exemplos, todos os dias ocorrem imensos congestionamentos nas rodovias que lhes
servem de o. Pessoas e mercadorias, em carros, ônibus ou caminhões, se
arrastam por quilômetros num desperdício de tempo e energia imensurável. Se o
Brasil voltar a crescer, mesmo que a taxas inexpressivas de 2% a 3% ao ano, e
sabendo que o transporte de mercadorias e a mobilidade das pessoas aumentam a
taxas maiores que a do crescimento do PIB, a saturação de importantes rodovias
que am nossas principais regiões metropolitanas poderá ocorrer nos
próximos oito anos.

Tomemos como exemplo o eixo rodoviário
Anhanguera-Bandeirantes, onde nos horários de pico há trânsito lento em trechos
entre Campinas e a capital. A concessionária que o istra tem cumprido o
estabelecido. Obras de ampliação foram feitas. As Marginais Tietê e Pinheiros e
seus os foram recentemente ampliados. Como esperado, os congestionamentos
voltaram. O que fazer perante o cenário que se vislumbra daqui a menos de dez
anos? Vamos continuar ampliando essas rodovias com novas faixas de tráfego?
Haverá espaço para isso? A malha viária paulistana terá capacidade de absorver
este acréscimo de tráfego?

Estas mesmas questões podem ser dirigidas a outras regiões
metropolitanas. Provavelmente, a resposta será unânime: precisamos investir (e
muito) em transporte ferroviário. Se todos concordam, resta agir já: ampliando
o serviço das ferrovias e terminando as obras iniciadas. No caso dos trens
regionais de ageiros, faço minhas as palavras de Jaime Lerner: “Perdemos um
tempo incrível elaborando diagnósticos exaustivos, tentando ter todas as
respostas antes de começar. Há uma grande diferença entre ter uma boa leitura
da realidade, a fim de ‘não errar o problema’, e a covardia de se esconder
atrás de burocracias protelatórias que nos esquivam de tomar posições” (Brasil:
o futuro que queremos, Ed. Contexto, 2018). Ao lado da covardia, acrescentaria
a conduta de má-fé no sentido de não colaborar com governos considerados
adversários. Como explicar os anos de embromação do Ministério dos Transportes
e da Secretaria do Patrimônio da União não reando as áreas lindeiras às
faixas operacionais do trecho ferroviário entre São Paulo e Campinas, mesmo já
tendo parecer favorável da Advocacia-Geral da União? A má-fé é explícita: o
governo federal precisava impedir um trem regional neste trecho para viabilizar
o Trem de Alta Velocidade.

Dificilmente teremos trens regionais operando em importantes
regiões metropolitanas antes de 2028. Por quê? Os novos governos assumirão sob
um quadro macroeconômico desastroso. Devemos, portanto, aproveitar 2019 para ao
menos equacionar as pendências istrativas entre Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit), Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e os Estados que já
têm estudos avançados de trens regionais.

Sendo otimistas, deveríamos a partir de 2020 contratar os
projetos de engenharia (básico e executivo) e ambientais (EIA-Rimas). Em
seguida, apurar o custo das desapropriações e publicar os decretos de utilidade
pública das respectivas áreas. Em 2023, supondo uma melhoria nos indicadores
econômicos do País e que o funding do empreendimento esteja equacionado, que os
projetos de engenharia estejam prontos, que a Licença Ambiental Prévia tenha
sido obtida e as principais áreas físicas desapropriadas e liberadas,
iniciam-se as licitações de obras ou de parcerias público-privadas. Com sorte,
os contratos poderão ser assinados em 2024. Sim, sejamos otimistas.

Em paralelo, dezenas de outras licitações deverão ser feitas
para a compra dos trens e dos sistemas operacionais. Sob hipótese de que não
ocorram contratempos, iniciam-se os testes dos equipamentos, a contratação e o
treinamento das equipes operacionais em fins de 2027. A operação comercial
poderá ter início em 2028.

Até lá, qual a solução para ar o crescimento do
tráfego nas rodovias? Teremos de apelar para o rodízio de placas para os
automóveis nas principais estradas? Ao mesmo tempo, criar faixas exclusivas
para os ônibus rodoviários e fretados? Abrir a operação a partir de aplicativos
digitais? Criar bolsões de estacionamento integrados aos ônibus rodoviários e
fretados nas cidades vizinhas às grandes metrópoles? É prudente começar a
estudar cenários emergenciais desde já para que possamos testá-los o mais breve
possível.

 

Fonte: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,o-trem-que-nao-chega,70002424448


Fonte: Estadão

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