A Trensurb
pagou R$ 244 milhões por trens que foram entregues sem quase a metade das
especificações técnicas que dizem respeito ao desempenho dos veículos exigidas
pela empresa. Um grupo de trabalho formado por 12 técnicos da Trensurb analisou
82 itens – selecionados com base em um critério de gravidade – previstos no
edital da licitação e constatou que 44% deles não foram atendidos pelo
Consórcio FrotaPoa, que reúne as empresas Alstom (sa) e CAF (espanhola).
No
relatório, os técnicos também apontam que a Trensurb abriu mão, a pedido do
consórcio, de realizar ensaios dinâmicos que poderiam antecipar as falhas em
série que, hoje, deixam fora de operação nove dos 15 trens da série 200,
adquiridos em 2012 — a informação foi publicada ontem pelo Grupo de Investigações
da RBS (GDI).
Técnicos da
Trensurb compararam as especificações do edital de licitação com o produto
efetivamente entregue. A vistoria foi concluída em 10 de abril ado e
apresentada ao Conselho de istração da Trensurb. O GDI teve o ao
resultado da análise que escancara o prejuízo de uma compra milionária que não
se reverteu em melhorias de serviço e mais conforto aos 180 mil usuários
diários da linha de trem.
Os itens não
atendidos vão desde certificados que atestem a qualidade das rodas e eixos de
trem até peças de reposição a menos — sem que a Trensurb tivesse desconto no
valor pago. Em cada um dos tópicos analisados, foi avaliado se houve vantagem
financeira do consórcio, prejuízo técnico ou financeiro para Trensurb e se o
item tinha ligação com problemas já constatados. Além de 44% dos itens
examinados não terem sido atendidos, em 48% dos casos analisados houve prejuízo
técnico ou financeiro para a Trensurb. Segundo o grupo de trabalho, só é
possível garantir que 10% dos itens foram rigorosamente atendidos pelo
consórcio.
Além da
redução da qualidade e conforto dos serviços, os problemas dificultam a
manutenção. Nem os manuais dos trens foram entregues conforme o especificado:
têm desenhos e traduções erradas, além de recomendações de procedimentos de
manutenção falhos, genéricos e sem aprofundamento técnico adequado.
Vaivém de queixas entre Trensurb e
consórcio
Todos os
itens não atendidos são objeto de demoradas negociações entre a estatal e as
indústrias fornecedoras dos trens. Um vaivém de queixas que já resultou num
inquérito civil público aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) para
tentar impulsionar o funcionamento dos 15 trens que nunca operaram como
deveriam. No relatório, os técnicos da Trensurb sugerem a contratação de um
serviço para avaliar o impacto financeiro dos problemas e a devolução dos trens
para resolvê-los.
No estudo, é
apontada uma série de prejuízos na operação dos trens. Houve aumento de 30% no
consumo energético em relação à previsão orçamentária da Trensurb – estimado em
R$ 10
milhões ao ano. Também há custos extras com manutenção dos trens antigos, da
série 100, sobrecarregados porque só seis dos novos funcionam. Além disso,
aumentou o gasto com horas extras dos empregados e a realocação de pessoas para
acompanhamento e fiscalização dos retrabalhos.
Segundo a
Trensurb, o relatório foi entregue ao Ministério Público Federal, que acompanha
todo o processo que envolve o recall dos trens série 200.
Itens não atendidos segundo relatório
x consequências
Não foram
fornecidos os certificados de comprovação do atendimento às normas de
fornecimento das rodas e eixos de trem
Consequência: há dúvida sobre o desempenho das rodas. Certificados são
necessários para um diagnóstico mais preciso
Não há
filtro de ar nos motores de tração
Consequência: o interior dos motores está contaminado com água e sujeira
Manuais
incompletos, documentação técnica desatualizada, não fornecimento de softwares
e códigos-fonte
Consequência: a falta de manuais adequados prejudica a manutenção dos trens
Menos peças
de reposição entregues
Consequência: prejudica a manutenção dos trens e prejuízo financeiro à Trensurb
— o consórcio reduziu a entrega, mas não o valor cobrado
Projeto de
construção do motor de tração de difícil montagem e desmontagem
Consequência: troca dos rolamentos, na manutenção, fica mais cara e complexa
Durante a
instalação de peças na fábrica ocorreram falhas no processo de montagem que
danificaram o isolamento de cabos
Consequência: ocorrência de curto circuito entre os cabos.
Contraponto
O
Consórcio FrotaPoa esclarece que a fabricação e entrega dos trens seguiram
rigorosamente todas as normas vigentes e especificações técnicas solicitadas
pela Trensurb. O Consórcio reafirma que está engajado em realizar todas as
ações necessárias para recolocar os trens em operação no menor prazo
possível.
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