Reestruturação da Raízen avança, mas atual taxa de juros é inviável, afirma Ometto

Valor Econômico – O empresário Rubens Ometto Silveira Mello, fundador do grupo Cosan, diz que o processo de reestruturação da Raízen, companhia em sociedade com a Shell, está em curso para redução de dívida e que os resultados poderão ser vistos nos próximos meses. O processo prevê a venda de ativos não estratégicos, para a companhia focar em distribuição de combustíveis, açúcar e etanol e cogeração de energia.

Ometto conta que a Cosan perdeu dinheiro com a Vale – uma aposta do empresário de participar da gestão de um dos maiores grupos do mundo. “O que mais doeu é que era um projeto pessoal que eu tinha. A Vale é uma companhia fantástica, orgulho nacional. Eu teria muita coisa para contribuir.”

Para o empresário, o atual patamar de juros, de 14,75%, é inviável para investimentos – a Cosan tem um “capex” de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões para este ano em andamento. “Se os juros não baixarem, vamos segurar investimentos.”

Ometto, que fez críticas à condução política econômica no ano ado, diz que sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva “sempre foi muito boa”. “Toda a minha crítica, às vezes eu faço, é com o espírito de contribuir para o que é melhor para o país. Lula é um homem de consenso e vai conseguir organizar as ideias de todo mundo.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como está sendo conduzido o processo de reestruturação das empresas da Cosan?

Rubens Ometto: O grupo está indo muito bem nos negócios de lubrificantes (Moove), de logística e ferrovia (Rumo), de gás (Com), e Radar (terras). No caso da Raízen, estamos nos dedicando a corrigir os erros que a gente cometeu. A gente se distraiu e [a empresa] foi num caminho ruim.

Valor: Quais distrações?

Ometto: A Raízen investiu muito em etanol de segunda geração, comprou a Biosev, a refinaria de distribuição de combustíveis na Argentina. Isso fez com que elevasse a alavancagem. E essa alavancagem, com o nível atual de juros, prejudica muito o balanço da Raízen e, consequentemente, o da Cosan.

Valor: Quais medidas estão sendo tomadas?

Ometto: Estamos fazendo um “turnaround”. Trocamos toda a diretoria, pegamos o time que nós temos de melhor aqui, com Nelson Gomes [no comando da empresa], Rafael Bergman [CFO e relações com investidores] e o Leonardo Gadotti [vice-presidente de mobilidade]. Com uma turma muito boa, os resultados virão logo. Estamos estudando medidas para resolver o problema da equação financeira da companhia.

Valor: Como será essa equação?

Ometto: A primeira é rever toda a parte de governança, aumentar a produtividade das pessoas. Tinha muito trabalho que era duplicado e agora isso está sendo reorganizado. A Raízen se abriu a muitas coisas: trading, energia elétrica. Vamos focar em distribuição de combustíveis, usando a marca Shell, e a parte de produção de açúcar e etanol, e cogeração de energia elétrica. Vamos simplificar a companhia. E, obviamente, dentro desse planejamento estratégico, os ativos dela que não são importantes a gente vai se desfazer. Esse é o foco que nós estamos dando.

“Agronegócio como um todo se beneficia com a disputa comercial”

Valor: O grupo vai deixar o DNA de fazer aquisições?

Ometto: Continua o mesmo. Só que hoje, se você falar em M&A e compra de ativos com esse nível de juros de 15%, nada é viável. Independentemente de qualquer coisa, você tem de ter juízo e ver onde vai investir. Não vai pagar juros de 15%. Nada paga, nada dá retorno sobre isso. Então, no momento, nós paramos porque não dá retorno.

Valor: Parte dessa alavancagem atual é atribuída à compra da Vale.

Ometto: A gente se atrapalhou no negócio da Vale. Eu tinha um projeto de investimento [na mineradora] e me doeu muito, não só por causa dos juros, todo o negócio ficou inviável. A Cosan perdeu dinheiro. O que mais doeu é que era um projeto pessoal que tinha. A Vale é uma companhia fantástica, orgulho nacional. Eu teria muita coisa para contribuir, mas fiquei impedido.

Valor: Como?

Ometto: Os acionistas eram todos do mercado financeiro. Nenhum deles tinha um DNA de empresário, de industrial, que é o que a gente sabe fazer. Muita gente de primeira linha, como o Bradesco, o Mitsui, uma pequena parte do governo também, através da Previ, e sócios investidores. Achei que tinha um espaço para fazer muita coisa lá. Acho que a gente fez uma contribuição para a Vale, um monte de ideias de governança. Eu tive que parar porque não tem como carregar uma equação financeira dessa com juros a 15% ao ano.

Valor: Também teve toda a discussão da escolha do presidente…

Ometto: Não quero entrar nesse assunto.

Valor: Como os juros altos têm afetado os negócios do grupo?

Ometto: Acho que todos os nossos negócios estão redondos, com alavancagem abaixo de 2. Menos a Raízen, que está mais por volta de 3. A Cosan, com os próprios dividendos que recebe das suas controladas, é suficiente para ela.

Valor: Como a guerra comercial entre os EUA e China afeta o grupo?

Ometto: Primeiro, acho um absurdo essa disputa [comercial]. Para os meus negócios, é bom [e não afeta].

Valor: Por quê?

Ometto: No caso do agronegócio, [o país] está supervalorizado. Os Estados Unidos taxam os chineses e os chineses não compram dos EUA e vão comprar aqui no Brasil. Os trens da Rumo estão superlotados. Vai criar uma demanda enorme. O agronegócio como um todo se beneficia.

Valor: Como o sr. e seus pares da indústria avaliam o cenário macroeconômico?

Ometto: Vejo o Brasil, todo mundo enxerga, que os juros têm de baixar. Todo mundo acha que não se deve aumentar impostos. Precisa ter equilíbrio nos gastos. É uma equação que, para quem está lá, que conhece todos os números, tem de arrumar uma maneira de fazer. Se você não tiver um equilíbrio fiscal, os juros não baixam. Acho que é isso que o governo está meditando como fazer. Se os juros baixarem de uma maneira tecnicamente recomendável, o país estoura.

Valor: O sr. foi muito vocal nos últimos meses, com críticas contundentes aos rumos da política econômica. Qual sua avaliação atual?

Ometto: Minha relação com o presidente sempre foi muito boa. Eu o respeito muito. Agora, como toda relação honesta, tem posições diferentes. Isso é normal. E toda a minha crítica, às vezes eu faço, é com o espírito de contribuir para o que é melhor para o país. Então, é isso que a gente tem feito. Eu acho que o Lula é um homem muito experiente. Ele tem condições de fazer um bom trabalho. Ele é um homem de consenso e vai conseguir organizar as ideias de todo mundo.

Valor: Quais os pontos críticos?

Ometto: Eu acho que ele tem condições de fazer um bom trabalho. Eu espero que faça. Em relação ao Brasil também, não depende só dele, eu acho que você tem um problema da instabilidade jurídica. Parece que está melhorando, mas você tem um Judiciário que invade o Legislativo, que invade o Executivo, que invade o Judiciário… O quadrado de cada um precisa ser bem definido. Também tem problema de segurança pública.

Valor: Como vê essa questão?

Ometto: O avanço da criminalidade, das milícias, está crescendo. Até no Legislativo, eles estão querendo entrar em tudo. E nós sofremos muito também com isso, que é o problema da sonegação de impostos. Por isso que estamos trabalhando, pedindo ao Congresso Brasileiro que aprove a lei do devedor contumaz. É uma concorrência desleal. Isso precisa ser bem feito e as agências reguladoras precisam ser bem ativas, precisam ser bem técnicas e não permitir que isso aconteça. A gente entende que, às vezes, uma empresa tem dificuldade e não consegue pagar imposto, atrasa. Mas fazer disso o seu negócio, isso que não pode.

Valor: Essa é uma pauta [devedor contumaz] antiga do setor…

Ometto: Não é só do setor. Se você pegar o setor de combustíveis, a sonegação chega a quase R$ 20 bilhões. Se você pegar o Brasil como um todo, colocar cigarros, bebidas, alimentos, chega por ano a R$ 120 bilhões, R$ 150 bilhões. Você praticamente resolve o problema do déficit fiscal.

Valor: O sr. vê avanço nessa agenda?

Ometto: Ela está para ser votada no Senado. Tenho esperança que no mês de junho se resolva isso, pelo menos no Senado. Daí vai para a Câmara dos Deputados. Isso é importantíssimo, não só para o nosso setor, como para o Brasil como um todo.

Valor: O sr. vê os parlamentares sensíveis ao tema?

Ometto: Então, é claro que tem controvérsias, tem gente que é a favor, tem gente contra. Mas vejo a grande maioria da sociedade apoiando fortemente. Vou falar com o Lula. Nós temos uma relação de respeito e diálogo.

Valor: Como o sr. define sua relação hoje com o governo e o presidente Lula depois das críticas contundentes no ano ado?

Ometto: Veja bem, eu não sou político. Eu sou empresário, eu sou um brasileiro, me considero um patriota. E sou uma pessoa que expõe o ponto de vista. Às vezes, me exponho demais como empresário. Mas é sempre o meu jeito de ser. É uma maneira que eu tenho de expressar os meus pensamentos. E não pode ser interpretado como uma coisa pessoal, uma coisa partidária. A gente fez investimentos enormes no governo Lula 1 e 2. Fizemos investimentos enormes no governo anterior, no da Dilma e estamos fazendo agora na [atual gestão ] do Lula também. O nosso “capex” é de cerca de R$ 10 bilhões, R$ 12 bilhões por ano nesse governo. É uma loucura. Só na ferrovia a gente gasta R$ 6 bilhões. Só não faço mais porque os juros estão muito caros. Eu tenho que resolver a equação financeira.

Valor: A Cosan avalia reduzir seus investimento?

Ometto: Se os juros não baixarem, vamos segurar investimentos. Nós estamos terminando o que está no meio do caminho. Agora, como investimento, não justifica. Para ganhar 15% sem fazer nada, ficar no ar-condicionado. Tenho que lutar, tenho que brigar, tenho que contratar gente, tudo. Trabalhar como louco. Não dá retorno. Pagar juros não tem sábado, domingo, feriado.

Valor: O sr. tem alguma agenda específica de discussão com o governo?

Ometto: Não. Todos esses nossos investimentos têm sido feitos com recursos do mercado financeiro. Alguns deles apoiados pelo BNDES, dentro das normas técnicas do banco.

Valor: Como é a sua relação com a equipe econômica?

Ometto: Conversamos muito com eles por telefone. Um bom dia para falar com o [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] é no domingo, quando ele está em São Paulo. Com o [Aloizio] Mercadante [presidente do BNDES] também. Eles são muito atenciosos. Mesmo o Alexandre Silveira [ministro de Minas e Energia], eu me dou bem com todo mundo.

Valor: Mesmo depois das críticas pesadas?

Ometto: Não era pesada, era discordante do que estava sendo feito. Concordo com você que, às vezes, eu posso ter exagerado muito, foi muito eloquente.

Valor: O sr. acha que o cenário hoje está muito diferente do que estava lá atrás?

Ometto: Acho que as coisas estão se acalmando. Agora você vê, por exemplo, as críticas com o IOF. Foi um negócio que foi feito na correria, ninguém sabia, não foi discutido. O pessoal reclama mesmo, porque vai aumentar o custo financeiro ainda mais.

Valor: Então, nesse ponto, o sr. é a favor de que não se taxe?

Ometto: Sou a favor de que não se taxe. Mas o governo está tentando encontrar [solução]. É muito difícil você dar um palpite quando não tem todos os números da equação na mão. Eles estão lá quebrando a cabeça [para encontrar uma solução]. É isso. Lula sempre foi capaz de construir consenso e de ouvir vozes diferentes. Entendeu? Então ele tem essa qualidade.

Valor: Como vê o cenário para 2026?

Ometto: Então, eu acho que vai ter uma polarização de novo.

Valor: Não acredita que pode ter uma terceira via?

Ometto: Pode ter. Mas essa terceira via é difícil, porque as forças vão estar de um lado com o PT e de outro com [Jair] Bolsonaro, ou quem ele indicar.

Valor: O sr. é um dos maiores doadores de campanha. Como suas escolhas são feitas?

Ometto: A gente vai com pessoas [parlamentares] que têm pensamentos parecidos e podem ter influência no cenário político.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/05/30/reestruturacao-da-raizen-avanca-mas-atual-taxa-de-juros-e-inviavel-afirma-ometto.ghtml

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