Estadão – Integrantes da comitiva brasileira que acompanharam a visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China na semana ada relataram que o presidente Xi Jinping destacou a relevância da ferrovia bioceânica em reuniões fechadas. Um sinal, segundo atores do governo brasileiro, de que o líder chinês vai embarcar no megaprojeto que corta o País e liga portos do Atlântico ao Pacífico.
Ao Estadão, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), responsável pelo projeto das rotas de conectividade sul-americanas, da qual a bioceânica é o mais complexo e importante empreendimento, e a ex-presidente Dilma Rousseff relataram que a ferrovia foi mencionada por Xi, ao longo das conversas no Grande Salão do Povo.
Segundo a ministra, Xi ainda relacionou a ferrovia como uma alternativa pela incerteza geopolítica criada pela ameaça do presidente Donald Trump de tomar de volta o Canal do Panamá, sob o argumento que o país centro-americano permitiu que empresas chinesas controlassem parte da operação.
“Numa das falas do Xi Jinping, ele falou, em função do canal do Panamá, dessa insegurança que gerou. Ele falou assim: ‘se justifica a gente estudar realmente a viabilidade de uma ferrovia bioceânica’. Ele até explicou que a empresa era de Hong Kong, então não tem essa coisa de que a China foi derrotada no Panamá”, disse Tebet.
Como o Estadão mostrou, os chineses não bateram o martelo sobre participação no projeto durante a visita de Lula na semana ada, como o Brasil gostaria que ocorresse. O governo brasileiro itiu que desejava avançar em Pequim.
Como o assunto foi tocado por Xi, ambas destacaram que a burocracia chinesa vai acelerar os trâmites, por causa do peso do envolvimento direto do líder máximo chinês.
O governo brasileiro aposta que os chineses possam ser convencidos a tempo da visita de Xi Jinping ao Rio, nos dias 6 e 7 de julho, para a Cúpula do Brics.
“Tenho a impressão que até a reunião dos Brics a gente assina o termo de cooperação com a estatal chinesa. Porque ainda que eles falem assim ‘não é viável’, eles têm interesse de fazer o estudo. Agora, eles aram a ter mais interesse do que nós. Quem nos provocou a acelerar foi o presidente Xi Jinping”, afirmou Tebet.
Antes de disputar um leilão em si para construir parte do traçado, o Brasil pediu capital estatal chinês e expertise para financiar e elaborar o projeto executivo da ferrovia. Nos planos do governo Lula, a ferrovia seria apenas uma segunda etapa das rotas de integração, inicialmente focada em rodovias.
O governo Lula já definiu um traçado, que segundo Tebet a por grande parte de margem de rodovias, o que facilitaria o processo de licenciamento. A ideia é que a ferrovia saia de Ilhéus (BA), emendando trechos da FIOL e da FICO, e atravesse a cordilheira dos Andes para se conectar a dois portos chilenos (Arica e Antofagasta) e um peruano (Chancay) − maior obra chinesa na América do Sul, inaugurada por Xi no ano ado.
Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), braço financeiro do Brics, Dilma afirmou que Xi Jinping está pessoalmente envolvido, o que muda o patamar das decisões na burocracia chinesa − da qual Lula se queixou durante a visita. Conforme a ex-presidente, Xi afirmou saber da importância do projeto para o Brasil, e os chineses são o parceiro ideal para a empreitada.
“Eles sabem o que é importante para nós, e nós sabemos o que é importante para eles”, disse Dilma. “Se não for eles, quem (será)? Quem tem essa expertise e quem tem interesse? Eles têm interesse, e nós temos interesse.”
Dilma também afirmou que os chineses têm capital para fazer o projeto sozinhos, sem depender de recursos, por exemplo, do próprio NDB. “Para que, se eles têm os quatro maiores bancos do mundo? Têm seis dos dez maiores bancos… Eles têm munição para fazer o que bem entenderem.”
Segundo Tebet, durante a visita de Xi a Brasília, no ano ado, o próprio líder chinês perguntou de forma recorrente sobre uma ferrovia no Brasil. Ela estimou que o projeto pode demorar de três a cinco anos, caso os chineses participem, e mais de vinte anos sem os chineses.
No mês ado, a estatal chinesa responsável − China State Railway Group − veio ao Brasil e discutiu o traçado com o governo brasileiro, conforme a ministra, de cerca de 2,5 mil a 3 mil quilômetros. A rota a pelo celeiro do centro-oeste e pelo Matopiba.
Tebet reiterou em Pequim que o dinheiro público e o capital privado brasileiros não conseguem financiar o projeto. Ela chegou a pedir uma decisão em 30 dias.
“Não é o valor do projeto executivo, é a rapidez e a velocidade que a China tem. O que queremos é a expertise, o estudo técnico de viabilidade. Qual é o custo do quilômetro, quanto tempo, de que material… Porque eles conseguem fazer isso em dois, três meses. E nós levamos três anos”, afirmou Tebet. “A partir daí, a gente fica de olho no fundo de investimento privado chinês para fazer a ferrovia. Acredito que nos próximos 10 a 15 anos não teremos investimento privado no Brasil capaz de fazer ferrovia.”
No Palácio do Planalto, a expectativa também é que haja avanços durante o encontro entre Lula e Xi no Rio, conforme duas autoridades da Presidência da República. Embora sem que nada tenha sido assinado, diplomatas dizem considerar que a negociação avançou.
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